Francisco falou hoje aos Bispos latinoamericanos quais as "atitudes que configuram uma Igreja tentada":
1. A ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se
verificou na Igreja desde o início: procurar uma hermenêutica de
interpretação evangélica fora da própria mensagem do Evangelho e fora da
Igreja. Um exemplo: a dado momento, Aparecida sofreu essa tentação
sob a forma de assepsia. Foi usado, e está bem, o método de “ver,
julgar, agir”. A tentação se encontraria em optar por um "ver"
totalmente asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O ver está
sempre condicionado pelo olhar. Não há uma
hermenêutica asséptica. Então
a pergunta era: Com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida
respondeu: Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números 20 a
32. Existem outras maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente,
aparecem na América Latina e no Caribe propostas desta índole. Menciono
apenas algumas: a) O reducionismo socializante. É a ideologização
mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se
de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo
com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde o
liberalismo de mercado até a categorização marxista. b) A
ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em
última análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo
desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento. Costuma
verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros
espirituais, etc. Acaba por resultar numa posição imanente
autorreferencial. Não tem sabor de transcendência, nem portanto de
missionariedade. c) A proposta gnóstica. Muito ligada à tentação
anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de
espiritualidade superior, bastante desencarnada, que acaba por
desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”. Foi o
primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da
história da Igreja, em edições corrigidas e renovadas. Vulgarmente são
denominados “católicos iluminados” (por serem atualmente herdeiros do
Iluminismo). d) A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a
forma de restauracionismo. Perante os males da Igreja, busca-se uma
solução apenas na disciplina, na restauração de condutas e formas
superadas que, mesmo culturalmente, não possuem capacidade
significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em pequenos
grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a
“segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática,
embora possa prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura
“recuperar” o passado perdido.
2. O funcionalismo. A sua ação na
Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se entusiasma com o
“roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério, aposta na
eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que vale
é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a
todas as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de
“teologia da prosperidade” no organograma da pastoral.
3. O
clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina.
Curiosamente, na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade
viciosa: o sacerdote clericaliza e o leigo lhe pede por favor que o
clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do
clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade adulta e de
liberdade cristã em boa parte do laicato da América Latina: ou não
cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de ideologizações como
as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas. Em nossas
terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências de
povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente
sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo
de Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa
dimensão. A proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de
base e dos Conselhos pastorais está na linha de superação do
clericalismo e de um crescimento da responsabilidade laical.
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